segunda-feira, 7 de agosto de 2006

ela vivia com um menino.

acordou. quando esticava os braços na intenção de se espreguiçar, sentiu a toalha molhada largada do lado esquerdo da cama. antes mesmo que abrisse os olhos, sorriu. lembrou-se: "agora vivo com um menino". sonhava com isso desde criança. casar, constituir família, ser feliz. tudo bem que as coisas não eram assim tão certas, mas eram certas na medida do possível. as roupas sujas espalhadas pelo chão denunciavam que ela morava com um menino e ali, naquele reinado que os dois dividiam, podia-se fazer de tudo ou não fazer nada. não fazer nada era mais freqüente. não pegar as roupas sujas do chão ou a toalha molhada da cama. sim, era um menino. e ele deixava o all star na porta da sala. e ela também não recolhia. ela gostava. quando via o all star na porta, ela sabia: ele estava em casa. então levantou-se da cama e foi até a cozinha. a pia imunda, a pilha de louça da noite anterior ainda estava ali esperando mãos caridosas. às vezes isso a irritava, em casa a limpeza era impecável. mas lembrou do menino da sua casa, seu irmão, e de como ele fazia a mesma bagunça e esperava que as meninas da casa, ela e sua mãe, arrumassem tudo sem reclamação. sorriu mais uma vez. e pensou no sorriso do seu menino. ele era totalmente desorganizado. ele tocava guitarra de madrugada, com fones no ouvido. ela ficava deitada no sofá observando e sentindo-se toda boba. o seu menino tocava guitarra com paixão, compunha as melodias mais bonitas e bacanas que ela conhecia. quanto orgulho! mas orgulho não lavava roupa, louça, banheiro... ah, morar com um menino é assim. ela, no entanto, não reclamava. mentira. reclamava de lavar banheiro. aliás, reclamava tanto que decidiu parar de fazer isso. e foi aí que a maria entrou em cena. a maria tinha trabalhado na casa dela quando ela era pequena. e a maria era muito organizada. e limpava o banheiro. e passava a roupa. e lavava a louça, se ela não lavasse logo de manhã. e muitas vezes ela preferia deixar a maria lavar mesmo. então preparou uma xícara de chá e foi até a varanda do apartamento. o dia estava ensolarado. o rio de janeiro é ensolarado. imaginou onde o menino dela estaria. pensou que, provavelmente, estaria resolvendo algum trabalho. ah, sim, o menino dela era músico. e ele não dormia. quer dizer, dormia. mas nos horários mais malucos possíveis. e ela, que sempre teve horário para dormir e para acordar, às vezes não conseguia acompanhar o menino. acabava capotando mesmo no sofá enquanto ele praticava inúmeras vezes as suas canções. e o menino, então, carregava ela para a cama. e quando ela acordava, a toalha molhada estava lá. às vezes ele estava lá. mas muitas vezes era a toalha molhada mesmo, indicando que ele tinha saído em busca do que colocava aquele sonho de pé. ela tinha se formado já e até estagiado em lugares legais. mas, no momento, ela ainda estava decidindo o que fazer. o último estágio tinha sido rígido demais. e com o menino ela tinha aprendido a ser menos despreocupada e não aceitar tantas rédeas assim. ruim? sua mãe não gostava, com certeza. achava que a filha estava fazendo tudo ao contrário. mas impedi-la? não, não. enquanto ela vivesse por suas próprias pernas, a mãe não interfereria. e assim era. da varanda foi para o banho. a maria ia chegar a qualquer momento para colocar ordem no lugar. e ela tinha um dia longo caminhando pela cidade e fotografando as cenas do dia-a-dia carioca. isso a entretinha. enquanto isso, pensava no que fazer. pensava em abrir sua própria empresa. pensava nos colegas de faculdade. pensava em fazer algo dela, onde ninguém fosse patrão de ninguém. porque ter patrão é muito chato. o menino dela também não tinha um. ele era livre e ela queria ser também. era uma casa livre. era um sonho livre. era um conto de fadas sobre um reino distante, onde a princesa vivia com um menino.
.
steady as she goes - raconteurs