quarta-feira, 18 de outubro de 2006

amputada.

- é como amputar uma perna. ninguém quer fazer isso, mas antes que gangrene é preciso! e eu não quero amputar a minha perna, entende? não quero reaprender a andar com uma perna só!
- pára e pensa que tem gente que faz muito mais que eu e você sem nenhuma perna.
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era sábio nos seus próprios termos. ainda que esses termos fossem obscuros para mim. sempre acreditei na complexidade de relacionamentos humanos. ele, hoje, acredita na simplicidade. não sou simples. finjo, às vezes, mas não sou. em mim há uma rede complexa de 'achismos' que se entrelaçam mais e mais com o passar dos anos. ele não queria certezas ou incertezas. desprezava o futuro. conseguia, como poucos, viver no presente. qual de vocês vive no presente? vivemos esperando o amanhã. ou pelo amanhã. para que seja melhor, para que seja maior, para que nos traga algo que buscamos. ele vive o hoje. que inveja! e, por mais que ele dissesse de suas imensas imperfeições, nunca as vi. quando pontuei sutilmente o fim daquele nosso momento, não foi por ver defeitos se sobrepondo aos sentimentos, mas por ver que eu não acompanhava seu tempo e seu espaço.
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eu quis, de repente, ser seu tempo e seu espaço, desrespeitando assim toda uma ordem previamente composta para que seu mundo funcionasse. nas palavras de browning: 'i will speak thy speach, love / think thy thought.'* porque meu espaço e meu tempo eram ele. maior que o muito era ele. maior que muitos. que muitas. que multidões.
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às vezes, quando paro, sinto falta da perna. manco. tropeço, como hoje. levanto. continuo. não vou parar porque o que me foi ensinado, de maneira dura e com palavras ásperas ao telefone, foi prosseguir. porque a vida não pára. a minha vida pode caminhar em um ritmo mais lento, mas o mundo não deixa de girar porque eu caí e quebrei. sim, quebrei. uma bonequinha de porcelana esfacelada. com os meus pedaços remendados, eu vou.
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sábio em seus próprios termos, ele me disse: tem gente que, sem duas pernas, faz coisas que eu sei que nunca vou ser capaz de fazer.
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obrigada. a lição que mais marca é a que sangra.
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* eu repetirei teu discurso, amor
e pensarei teu pensamento.
[in 'a woman's last word', robert browning]