palavras, apenas.
um dia o meu silêncio virou um muro. não falava há dias. ana cansara-se. pôs minhas coisas numa mala, o laptop por cima e deixou tudo na bancada de fórmica branca. como um último ato bravo, abriu a porta e, prostrada ali, espero que eu passasse para o corredor. fechou-a.
voltei para o caos de botafogo. o que um dia tinha sido meu já não era mais nada. as paredes eram de cela de prisão e o sol não ousava entrar pelas frestas das janelas. as buzinas, os freios e os gritos eram inaudíveis perto do perturbador som que a ausência de ana tinha dentro de mim.
por quatro dias eu vaguei pelos cômodos. pontas de cigarro por todo o chão. copos sujos. garrafas vazias. e eu com a mesma camisa e a barba já me mascarando as feições. o laptop desligado como jamais estivera. há quatro dias. quatro dias que me pareciam quarenta anos. cem anos de solidão.
então, no fim da tarde do quinto dia, a campainha tocou. levantei-me bruscamente do sofá chutando um copo que, desavisado, rolou e acertou o pé da mesa se estraçalhando em alguns cacos. ignorei. andei até a porta, cigarro no canto da boca. a minha imagem era digna de pena. demorei alguns segundos para conseguir acertar a fechadura.
ana não fez cerimônia. entrou. "a gente precisa conversar" e eu fiz que sim com a cabeça e apontei em direção ao quarto. a sala estava inabitável. meus lençóis revirados, minha roupa espalhada pelo chão, mais copos e restos de cigarro. e papéis rasgados. e ana sentou-se na cama. e me sentei ao seu lado.
sua cabeça pendeu. pôs as mãos no cabelo como puxando-os para trás. "não desiste de mim não...", disse baixinho. quis sorrir. e não pude. aproximei-me mais, cheirando a alcatrão queimado. ana pareceu não se importar. abracei-a e as lágrimas tímidas e quentes escorreram sobre suas maçãs do rosto.
"o meu silêncio é decorrência da incapacidade de pôr em palavras o que os meus dois olhos vêem. as palavras, ana, vão embora tão logo no vento. e espalham-se. e caem nos ouvidos de outros. e não dignificam qualquer coisa que um coração possa sentir ou que os olhos possam ver. as palavras, ana, são meras ilusões que nós humanos criamos. e o que há em mim é o que veio antes. é a paixão da carne. é a violência que enquanto me mantém vivo, também me mata a cada segundo. a minha verdade pode ser compreendida através de qualquer silêncio. e, ana, se não lhe falo com tanta freqüência é porque as palavras são pobres. as palavras só servem para os meus romances e, medíocres como são, são até copiadas e vão parar em outros ouvidos amantes. tudo isso é mesquinho demais quando eu sei que, no mundo, você existe."
ficamos ali parados por um longo tempo. ana adormeceu. e mesmo que eu continue tentando descrever a sensação de ver a amada dormindo, como muitos tentaram, não conseguiria ser fiel ao que senti naquele momento. as palavras são pequenas. ana era grande. ana era maior que eu. maior do que eu jamais posso ser.
ouvindo: where are they now? - mr big.
voltei para o caos de botafogo. o que um dia tinha sido meu já não era mais nada. as paredes eram de cela de prisão e o sol não ousava entrar pelas frestas das janelas. as buzinas, os freios e os gritos eram inaudíveis perto do perturbador som que a ausência de ana tinha dentro de mim.
por quatro dias eu vaguei pelos cômodos. pontas de cigarro por todo o chão. copos sujos. garrafas vazias. e eu com a mesma camisa e a barba já me mascarando as feições. o laptop desligado como jamais estivera. há quatro dias. quatro dias que me pareciam quarenta anos. cem anos de solidão.
então, no fim da tarde do quinto dia, a campainha tocou. levantei-me bruscamente do sofá chutando um copo que, desavisado, rolou e acertou o pé da mesa se estraçalhando em alguns cacos. ignorei. andei até a porta, cigarro no canto da boca. a minha imagem era digna de pena. demorei alguns segundos para conseguir acertar a fechadura.
ana não fez cerimônia. entrou. "a gente precisa conversar" e eu fiz que sim com a cabeça e apontei em direção ao quarto. a sala estava inabitável. meus lençóis revirados, minha roupa espalhada pelo chão, mais copos e restos de cigarro. e papéis rasgados. e ana sentou-se na cama. e me sentei ao seu lado.
sua cabeça pendeu. pôs as mãos no cabelo como puxando-os para trás. "não desiste de mim não...", disse baixinho. quis sorrir. e não pude. aproximei-me mais, cheirando a alcatrão queimado. ana pareceu não se importar. abracei-a e as lágrimas tímidas e quentes escorreram sobre suas maçãs do rosto.
"o meu silêncio é decorrência da incapacidade de pôr em palavras o que os meus dois olhos vêem. as palavras, ana, vão embora tão logo no vento. e espalham-se. e caem nos ouvidos de outros. e não dignificam qualquer coisa que um coração possa sentir ou que os olhos possam ver. as palavras, ana, são meras ilusões que nós humanos criamos. e o que há em mim é o que veio antes. é a paixão da carne. é a violência que enquanto me mantém vivo, também me mata a cada segundo. a minha verdade pode ser compreendida através de qualquer silêncio. e, ana, se não lhe falo com tanta freqüência é porque as palavras são pobres. as palavras só servem para os meus romances e, medíocres como são, são até copiadas e vão parar em outros ouvidos amantes. tudo isso é mesquinho demais quando eu sei que, no mundo, você existe."
ficamos ali parados por um longo tempo. ana adormeceu. e mesmo que eu continue tentando descrever a sensação de ver a amada dormindo, como muitos tentaram, não conseguiria ser fiel ao que senti naquele momento. as palavras são pequenas. ana era grande. ana era maior que eu. maior do que eu jamais posso ser.
ouvindo: where are they now? - mr big.