reclusão voluntária.
ouço o conselho 'se estiver triste, saia e se distraia' e, inevitavelmente, libero uma risadinha sarcástica. não, eu não funciono assim. não sei se gosto, mas maturo a dor até que ela, amaciada, seja mais um pedaço do bloco que me constitui. não sou de sair, de fingir que as coisas não acontecem, de investir em ocupações levianas. quando estou triste, escrevo. bem que, às vezes, surgem combinações de palavras agradáveis. tento transpôr-me para o papel. ou para a tela. como agora aqui estou, purgando-me diante dos senhores leitores os quais não permito identificação. eu penso e repenso e, no fim, eu chego à conclusão que a tristeza não está na cabeça, mas no coração. e, portanto, de nada adianta ocupar-me. se a felicidade momentânea proveniente da atividade é meramente leviana, mais válido é recolher-se na tristeza buscando a compreensão da mesma. aliás, compreensão essa quase nunca alcançada. o coração não oferece respostas e, aí, a cabeça se intromete. o que, logicamente, causa uma tremenda confusão. convenhamos, a cabeça não foi feita para reger os sentimentos. derramo-me. acredito que torno-me companhia insuportável em dias assim. evito conversas porque sei, de cor e salteado, as réplicas e tréplicas que ouvirei. e o pior? evito-as sabendo que há um fundo de razão. infundada sou eu, que me encontro melhor ao cutucar a ferida até que sangre. assim expurga. e se expurgar, cura. ou não. porque a cura implica em doença e doente não estou. a menos que o grande mal que ataca o coração e rouba a alma faça de mim uma inválida. o grande mal passional, que nos investe de coragem para a completa entrega e nos atinge no momento mais impreciso. precisamente, senhores, é deste mal que sofro. e por isso medito. e não é por mal que desafio os conselhos pela busca da felicidade momentânea. desafio-os pois me parecem deveras quebradiços.
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♪ quem sabe - los hermanos