terça-feira, 13 de março de 2007

a deusa da minha rua.

abre-te, césamo! a porta de alumínio localizada na tranqüila rua pouco movimentada do subúrbio estava prestes a, majestosa, abrir-se mais uma vez e revelar a menina, a moça, a criança e mulher voluptuosa que ali residia.
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todos os dias a porta se entreabria e lá vinha ela. ajeitava os cabelos cuidadosamente com os dedos finos. sorria e enterrava os óculos escuros por cima dos olhos verdes. fazia um tom de mistério no calcar dos saltos. era alta, mas punha-os a fim de alcançar o topo do mundo.
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eu, no entanto, mal alcancei a campainha. estanquei quando a vi sair por detrás da porta de um prateado intenso. sorri, assim, sem graça. com as mãos coladas ao corpo, pensei rapidamente no que lhe dizer. estava ali diante de mim, em sua candura que, vez ou outra, emitia um "q" de malícia inexplicável. era um anjo. era um demônio. era ela que me fazia tremer nas bases.
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havia ensaiado as simples frases que precisava dizer. tinha uma missão a cumprir. e, ainda assim, meus olhos fugiam de minha face e iam perder-se nos ombros desnudos dela que vestia um tomara-que-caia. seus cabelos em cascata emolduravam o pescoço fresco, a carne branca, a volúpia das marcas de sol ali impressas. quis com minhas mãos agarrar-lhe pela cintura. ela tem ancas largas e eu, talvez por instinto, sinto-me atraído pelo vai-e-vem que elas protagonizam quando andam pela ruazinha mansa.
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respirei fundo enquanto ela me sorria e, à sua maneira, sem jeito justificava por mim a visita. unhas vermelhas e longas despertavam meu imaginário. afastei-me encostado pela parede. pensei em mover-me de encontro a seu tronco, mas estagnei. que faria ela se eu a tomasse e com meu intenso desejo a beijasse ali, na frente de todos os passantes? desejosa, talvez correspondesse-me. ou, talvez, tivesse um secreto namorado com quem nunca desfila pelas ruas do bairro e me repelisse, com a mais justa razão.
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não o fiz. despedimo-nos sem beijos, abraços, toques, apertos de mão. andei na direção contrária a porta. ela esgueirou-se para dentro. foram menos de dez minutos. uma eternidade de ardência para um homem como eu.
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ouvindo: a deusa da minha rua - cauby peixoto.