sábado, 8 de setembro de 2007

números.

quem já ouviu um "mas isso não é da sua época" vai compreender bem a sensação. lá estava eu sentada, em paz, com o nariz bastante entupido e a garganta bastante arranhada e ansiosa pelo momento em que humberto gessinger se revelaria diante de um canecão lotado. nada mais era importante ou, ao menos, tão importante quanto o que estava prestes a acontecer. e foi nesse exato momento, aquele de tensão pré-evento muito esperado, que uma "senhoura" da mesa da frente resolve se virar e bater um papo.
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na verdade, eu já tinha percebido há cerca de meia hora que aquela moçoila estranhava a minha presença ali. embora eu não soubesse exatamente porquê, só sentia um clima hostil pairando no ar (que, diga-se de passagem, estava condicionado demais pro meu gosto!) entre o mínimo espaço entre as mesinhas (ou seriam mesículas?) dispostas no setor A da casa de espetáculos. vez ou outra, ela se mexia pra lá e pra cá, sempre dando um jeito de olhar pra mim com um certo desdém.
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eu, por minha vez, bebia calmamente a minha água e aguardava. eu não queria saber de cara feia, eu queria ver o show! e, também, eu não tinha dado nenhum motivo pra tamanha indiscrição e falta de educação.
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mas num momento desses de vira pra lá vira pra cá, ela virou na minha direção e desferiu. eu não a conhecia, ela não me conhecia. mas parece que alguns seres humanos têm uma necessidade inexplicável de abrir as bocarras inoportunamente quando não são chamados! ela me olhou com o ar de desdém do começo da noite e proferiu o seguinte:
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- desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?
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não entendi. não entendi nada. pensei comigo mesma: qual o interesse dela na minha idade? quis desviar o pensamento do pior (ela poderia estar me cantando!) e, ao mesmo tempo, pensar em algo que cortasse rapidamente aquela indesejada conversa que ali se iniciava.
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- vinte e dois.
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fui seca. esperei que aquilo acabasse ali, que ela virasse pra frente e que o humberto aparecesse logo naquele palco. a essa hora, minha tosse já começava a virar nervosa e não mais originária da gripe.
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- você é muito nova pra gostar de engenheiros! eu já era adolescente quando eles apareceram!
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desconforto. o que diabos eu ia dizer depois disso? sorri amarelo e evitei dizer qualquer coisa que encorajasse a criatura a continuar falando. e nada de gessinger, nada de bernardo, nada de glaucio, nada de fernando... que nervoso!
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não satisfeita, ela prosseguiu:
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- mas você gosta das músicas antigas?
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que pergunta, minha senhora! quis sacudi-la pelos ombros pra ver se conseguia fazer o cérebro dela funcionar, mas definitivamente não valeria a pena perder o tão esperado show por uma irritação besta.
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- eu prefiro, até. "toda forma de poder", "refrão de bolero", "alívio imediato"...
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ela, então, pareceu surpresa. provavelmente, naquela cabecinha que abrigava um cérebro de noz, retrógrado, essa era uma afirmação que não cabia.
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- mas você nem podia entender essas músicas! você era criança!
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sorri, mais uma vez. eu podia pensar em várias respostas mal educadas que caberiam bem nesse momento, mas tudo que eu queria era que um raio partisse ela ao meio e que o show começasse logo. achei então que, se eu ficasse quieta sorrindo, naturalmente ela desistiria... que nada!
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- e o gessinger tem idade pra ser seu pai!
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HA! com essa, o calo doeu. não que ele não tenha idade pra ser meu pai. esse gaúcho lindo, loiro e inteligente tem seus quarenta e três anos de vida e, se fizermos o cálculo, podia ser meu pai mesmo (eu teria nascido mais ou menos dois anos antes do lançamento do "longe demais das capitais" e, provavelmente, ele não teria composto "parabólica", que é uma das minhas preferidas, mas tudo bem... se bem que, nossa, eu não o vejo como pai mesmo. desperdício demais!). mas agora ela tinha passado dos limites pra me lembrar que eu tinha apenas dois anos quando "longe demais das capitais" fora lançado. não pude me conter.
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- tem mesmo. mas eu sou maior de dezoito, não vai dar cadeia pra ele não.
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sorri vitoriosa dessa vez. depois dessa se ela continuasse, por favor... acho que foi um passa-fora bem dado, uma espécie de "vira pra frente aí e fica quieta" bem humorado, na minha opinião. e não é que foi tiro e queda?
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agora era a vez dela sorrir amarelo. virou pra frente, enfim. aposto que, até agora, ela está pensando: "ai, essas garotas de hoje em dia..." e, sinceramente, idade é apenas um número. e de números o betão entende.
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nascimento e silva 107, corrientes 348
e eu com esses números

traço de audiência, tração nas 4 rodas
e eu? o que faço com esses números?
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ouvindo: pose - engenheiros do hawaii.